23 janeiro 2007

Por Uma Arte de Contar Histórias



"Ah, como é importante na formação de qualquer criança ouvir muitas histórias... Escutar histórias é o início da aprendizagem para ser um leitor e ser leitor é ter todo um caminho de descobertas e de compreensão do mundo, absolutamente infinito...
O primeiro contacto da criança com um texto é feito, em geral, oralmente. É pela voz da mãe e do pai, contando contos de fada, trechos da Bíblia, histórias inventadas tendo a gente como personagem, narrativas de quando eles eram crianças e tanta, tanta coisa mais...
Ler histórias para as crianças, sempre, sempre... É suscitar o imaginário, é ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, e encontrar muitas ideias para solucionar questões - como os personagens fizeram... - é estimular para desenhar, para musicar, para teatralizar, para brincar... Afinal, tudo pode nascer de um texto.
O significado de escutar histórias é tão amplo... É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso dos conflitos, das dificuldades, dos impasses, das soluções, que todos atravessamos e vivemos, de um jeito ou de outro, através dos problemas que vão sendo defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) pelos personagens de cada história (cada um a seu modo...) E assim esclarecer melhor os nossos ou encontrar um caminho possível para a resolução deles...
É ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções importantes como: a tristeza, a raiva, a irritação, o medo, a alegria, o pavor, a impotência, a insegurança e tantas outras mais, e viver profundamente isso tudo que as narrativas provocam e suscitam em quem as ouve ou as lê, com toda a amplitude, significância e verdade que cada uma delas faz (ou não) brotar...

É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra visão... É ficar sabendo história, geografia, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc... sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula... Porque, se tiver, deixa de ser literatura, deixa de ser prazer, e passa a ser didáctica, que é um outro departamento (não tão preocupado em abrir todas as comportas da compreensão do mundo)...
Ouvir e ler histórias é também desenvolver todo o potencial crítico da criança.É formar a opinião, é ir formulando os próprios critérios, é começar a amar um autor, um género, uma ideia e daí ir seguindo por essa trilha e ir encontrando outros e novos valores (que talvez façam redobrar o amor pelo autor ou viver uma decepção... Mas isto tudo faz parte da vida).
Para contar uma história, é preciso saber como se faz... Afinal, nela se descobrem palavras novas, se depara com a música e com a sonoridade das frases, dos nomes... se capta o ritmo, a cadência do conto, fluindo como uma canção... E para isso, quem conta tem que criar o clima de envolvimento, de encanto... Saber dar as pausas, o tempo para o imaginário de cada criança construir seu cenário, visualizar os seus monstros, criar os seus dragões, adentrar pela sua floresta, vestir a princesa com a roupa que está inventando, pensar na cara do rei... e tantas coisas mais...

Se a criança não lê é porque não lhe estão apontando caminhos para o desfrute de bons e belos textos... Que existem (tantos) e são fáceis de achar... Literatura é arte, literatura é prazer... Que a escola englobe esse lado e deixe as cobranças didácticas para os departamentos devidos...
E nesse sentido, ela faz parte do leque da educação artística e não da língua portuguesa... Uma das actividades mais fundantes, mais significativas, mais abrangentes e mais suscitadoras de tantas outras, é a que decorre do ouvir e do ler uma boa história... "



Fanny Abramovich-In: Literatura infantil - gostosuras e bobices, Ed. Scipione.


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